Consumo, digestibilidade e desempenho de vacas leiteiras submetidas a dietas baseadas em volumosos tropicais no Centro Oeste do Brasil

Isis Scatolin de Oliveira*, Luciano da Silva Cabral*, Joanis Tilemahos Zervoudakis*, Joadil Gonçalves de Abreu*, Rosane Cláudia Rodrigues** e Mirton Jose Frota Morenz***

* Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal – Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Universidade Federal de Mato Grosso, Av.
Fernando Corrêa da Costa, n.2.367, Boa Esperança, CEP 78060-900, Cuiabá-MT, Brasil
cabralls@ufmt.br
** Universidade Federal do Maranhão, Chapadinha – MA
*** Centro Nacional de Pesquisa em Gado de Leite – EMBRAPA - MG

Resumo

Foram utilizadas cinco vacas leiteiras mestiças por intermédio de delineamento em quadrado latino 5x5 para avaliar os efeitos de dietas baseadas em cana-de-açúcar e nas silagens de capim-elefante e milho sobre o consumo e a digestibilidade dos nutrientes, a produção e a composição do leite. As dietas avaliadas foram as seguintes: 60% de cana-de-açúcar + 40% de concentrado (60:40); 40% de cana-de-açúcar e 60% de concentrado; 60% de silagem de milho e 40% de concentrado, 40% de silagem de milho e 60% de concentrado, e 50% de silagem de capim-elefante e 50% de concentrado. Cada período teve duração de 21 dias, sendo 14 dias para adaptação e 7 dias para coleta dos dados.  

As dietas baseadas em silagem de milho proporcionaram os maiores consumos dos nutrientes, enquanto que para a dieta baseada em silagem de capim-elefante foi observado o menor consumo e digestibilidade (P<0,05) dos nutrientes. A dieta baseada em 60% de cana-de-açúcar propiciou a menor produção de leite (10,9 kg/vaca/dia). Porém, as diferenças são muito pequenas e, desta forma, o uso da cana-de-açúcar e silagem de capim-elefante para vacas de médio potencial leiteiro pode proporcionar a redução dos custos de produção de leite quando comparadas à silagem de milho.  

Palavras chave: cana-de-açúcar, produção de leite, silagem de capim-elefante, silagem de milho, valor nutritivo

Intake, digestibility and performance of dairy cows submitted to diets based on tropical roughage in West Brazil

Summary

Five crossbred dairy cows were used in a 5x5 Latin square design in order to evaluate the effects of diets based on sugar cane and elephant grass and corn silages on nutrients intake and digestibility, as well as on milk production and composition. The evaluated diets were: 60% of sugar cane + 40% concentrate (60:40), 40% of sugar cane and 60% concentrate, 60% corn silage and 40% concentrate, 40% corn silage and 60% concentrate and 50% elephant grass silage and 50% concentrate. Each experimental period lasted 21 days, which the 14 initial days designated to animal adaptation and 7 last days for data collection.

The diet based on corn silage resulted in the higher intake of nutrients, while for the diet based on elephant grass silage was observed lower dry matter intake and nutrients digestibility (P <0.05). The diet based on 60% of sugar cane promoted lower milk production (10.9 kg/cow/day), but the differences were very small. Therefore the use of sugar cane and elephant grass silage for dairy cows of average productive potential can result on lower milk production costs when compared to diets based on corn silage. 

Keywords: sugar cane, corn silage, elephant-grass silage, milk production, nutritive value

Introdução

A pecuária leiteira é uma importante atividade econômica no Brasil, a qual apresentou profundas mudanças nas duas últimas décadas, em termos de aumento da produção e produtividade, possibilitando ao país atingir a sexta posição no ranking mundial (Matos 2007). 

A produção de leite no país concentra-se nos estados das regiões sul e sudeste, caracterizada por sistemas mais intensivos, com o uso de animais de melhor potencial produtivo. Desta forma, há a necessidade da utilização de maiores proporções de concentrado e forragens conservadas, principalmente na forma de silagem, particularmente na época de ausência de chuvas. 

Na região Centro Oeste do país, notadamente em Mato Grosso, predominam sistemas baseados no uso do pasto, em função da disponibilidade elevada das pastagens, associado ao uso de vacas mestiças Holandês-Zebu, no sentido de conferir maior tolerância às elevadas temperaturas verificadas nesta região. 

Apesar do pasto ser a principal fonte de nutrientes para os animais, na época seca a manutenção da produtividade das vacas requer o uso de forragem suplementar, seja proveniente de capineiras ou conservadas (silagem), associada ao uso de concentrados. 

A silagem de milho tem sido muito utilizada pelos produtores de leite da região sul e sudeste do Brasil, em função do seu elevado valor nutritivo, porém apresenta elevado custo de produção. Na região Centro Oeste, a silagem de capim-elefante e cana-de-açúcar são vastamente utilizadas para vacas leiteiras na época seca do ano, em decorrência do elevado rendimento por área, diminuindo com isso, os custos de produção (Lima e Evangelista 2007).  

A combinação destes volumosos com concentrados pode afetar o desempenho produtivo de vacas leiteiras, considerando as diferenças que os primeiros apresentam entre si nas suas proporções de carboidratos fibrosos e não fibrosos, assim como a interação dessas com os carboidratos e proteína do concentrado. 

Considerando as particularidades climáticas e genéticas da pecuária leiteira da região Centro Oeste em relação àquelas observadas em outras regiões do país, o presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar dietas baseadas em cana-de-açúcar, silagem de capim-elefante e silagem de milho, combinadas ao uso de concentrados, sobre o consumo e a digestibilidade dos nutrientes, a produção e a composição do leite.

Material e Métodos

O trabalho foi realizado no Setor de Bovinocultura de Leite da Fazenda Experimental da Universidade Federal de Mato Grosso. O clima da região é do tipo Cwa de Köepen, tropical, sazonal, com duas estações bem definidas, verão chuvoso (outubro a março) e inverno seco (abril a setembro). A temperatura média anual é 24°C, com extremos já verificados de 42°C e 0°C, e pluviosidade média anual de 1.300 mm. 

Foram utilizadas cinco vacas mestiças Holandês/Gir, com idade média de cinco anos, peso vivo médio de 490 kg e potencial de produção de leite de 12 kg/dia, por intermédio de um delineamento em quadrado latino 5 x 5, em que cada período teve duração de 21 dias, sendo os 14 dias iniciais destinados à adaptação dos animais às dietas e os sete dias restantes para avaliação do consumo, digestibilidade e produção de leite. Os animais foram mantidos em piquetes sem cobertura vegetal, dotados de cocho de sal mineral, água à vontade e sombra natural. 

As dietas avaliadas foram as seguintes: T1, 60% de cana-de-açúcar + 40% de concentrado (60:40); T2, 40% de cana-de-açúcar e 60% de concentrado; T3, 60% de silagem de milho e 40% de concentrado; T4, 40% de silagem de milho e 60% de concentrado, e T5, 50% de silagem de capim-elefante e 50% de concentrado. Foi utilizado concentrado comercial formulado para vacas leiteiras. 

As vacas eram ordenhadas duas vezes ao dia, em que após ocorria a oferta das dietas em dois tratos diários (às 8:00 e 16:00), realizada em baias individuais, na proporção de 3% matéria seca/peso corporal. O consumo diário de matéria seca foi avaliado nos sete dias finais de cada período, por meio do controle da oferta e respectivas sobras das dietas. Neste período, foram realizadas coletas de amostras de sobras e dos alimentos, as quais foram congeladas em freezer a -20°C para posteriores análises laboratoriais. 

Para avaliação da excreção fecal e determinação da digestibilidade aparente total, foram feitas coletas de amostras de fezes durante os sete últimos dias de cada período, obtidas diretamente no reto dos animais. A excreção fecal foi estimada por meio das concentrações de fibra em detergente neutro indigestível (FDNi), obtidas após a incubação ruminal “in situ” dos alimentos, sobras e fezes por 144 horas em um bovino da canulado no rúmen (Cochram et al 1986). 

Todas as amostras, depois de descongeladas, foram levadas à estufa de ventilação forçada à 65ºC durante 72 horas, posteriormente, moídas em moinho com peneira de malha de 1 mm. As amostras foram analisadas para matéria seca (MS), matéria mineral (MM), proteína bruta (PB), extrato etéreo (EE) e fibra em detergente neutro (FDN) de acordo com Silva e Queiroz (2002). A composição bromatológica dos ingredientes e das dietas experimentais são apresentadas nas Tabelas 2 e 3, respectivamente. 

Os teores de nutrientes digestíveis totais (NDT) foram calculados segundo o NRC (2001): NDT (%) = PBD + CTD + EED x 2,25, em que: PBD: proteína bruta digestível; CTD: carboidratos totais digestíveis; EED: extrato etéreo digestível, sendo os seus valores obtidos pela diferença entre o consumo (quantidade ofertada menos a verificada nas sobras) e a respectiva excreção fecal diária. 

Para avaliação da produção diária de leite, era realizada ordenha diária das vacas às 7:00 e 15:30 em sala de ordenha do tipo em fila, com fosso, dotada de sistema de circuito fechado. O controle leiteiro foi feito semanalmente durante a ordenha no período da manhã e da tarde, por meio de medidores de leite individuais acoplados a ordenha mecânica. 

Amostras de leite, aproximadamente 250 mL, foram coletadas no 18° dia de cada período experimental provenientes da ordenha mecânica de cada animal e congeladas em freezer a -10°C para posterior análise de gordura e proteína. O teor de gordura do leite foi determinado utilizando-se o método de Gerber, descrito por Behmer (1965) e o teor de proteína determinado pelo método micro Kjeldhal, descrito por Silva e Queiroz (2002). 

Os dados de consumo, digestibilidade dos nutrientes, produção e composição do leite foram submetidos à análise de variância, conforme o seguinte modelo estatístico, utilizando-se o programa SAEG (UFV, 2001):

Y_ijkl = m + T_i + A_j + P_k + e_ijkl, em que:

Y_ijkl = valor da observação na vaca j, no período k, submetida ao tratamento i;

m = efeito geral da média;

T_i = efeito do tratamento i, sendo i = 1,2,3,4,5;

A_j = efeito do animal j, sendo j = 1,2,3,4,5;

P_k = efeito do período k, sendo k = 1,2,3,4,5;

e_ijk = erro aleatório, pressuposto erro NID (0, s²).

As médias foram comparadas pelo teste de Student Newman Kewls (SNK).

Resultados e Discussão

As dietas baseadas em silagem de milho proporcionaram os maiores consumos dos nutrientes (Tabela 3). Este fato decorre da melhor qualidade e composição bromatológica da silagem de milho, caracterizado pelo maior teor de PB e menor teor de FDNi (Tabela 2). Contrariamente, pelo mais elevado teor de FDN e FDNi, as dietas baseadas em silagem de capim-elefante e de cana-de-açúcar na proporção de 60% proporcionaram o menor consumo. A FDN representa a fração dos alimentos que apresenta lenta e incompleta digestão e que ocupa espaço no trato gastrintestinal, que juntamente com a FDNi exerce elevado efeito de repleção ruminal (Vieira et al 1997). Além disso, o aumento da proporção de concentrado nas dietas à base de cana-de-açúcar e silagem de milho promoveu aumento no CMS e CPB, comportamento também observado por Mendonça et al (2004) e Costa et al (2005).  

 Não foram verificadas diferenças nos coeficientes de digestibilidade aparente da matéria seca entre as dietas à base de cana-de-açúcar (71,4% e 71,6%) e silagem de milho (65,0% e 64,9%), entretanto, estes valores diferiram daqueles observados para a dieta baseada em silagem de capim-elefante (52,1%) (Tabela 4). Tal fato pode ser atribuído ao elevado teor de CNF na cana-de-açúcar (51,8%) e na silagem de milho (25,9%), uma vez que estes carboidratos apresentam digestibilidade rápida e praticamente completa no trato gastrintestinal (TGI) dos ruminantes. Ao contrário, os carboidratos fibrosos (CF), os quais estão presentes em elevada concentração na silagem de capim-elefante, apresentam digestibilidade lenta e incompleta, sendo, portanto a principal fonte de variação na digestibilidade de forrageiras (Van Soest 1967; Mertens 1996). 

Os dados relativos à digestibilidade da matéria seca observados no presente trabalho para as dietas baseadas em cana-de-açúcar (71,41%) e silagem de milho (65,0%) na proporção de 60% são semelhantes aos obtidos por Mendonça et al (2004) de 67% e 69,8%, respectivamente. 

 Houve apenas diferença significativa para a produção de leite por vaca/dia entre as dietas baseadas em cana-de-açúcar (40% concentrado) e a aquela baseada em silagem de milho (40% de concentrado) (Tabela 5). Entretanto, para os demais tratamentos não houve diferenças significativas para a produção de leite. 

 A menor produção de leite verificada para as vacas submetidas à dieta de com 60% de cana-de-açúcar pode ser atribuída ao seu menor teor de PB (10,2 %), comparado ao da dieta baseada em silagem de capim-elefante (13,8%). Pode-se inferir que houve limitação de PB ou de proteína degradável no rúmen (PDR) para suportar o crescimento de bactérias que utilizam carboidratos não fibrosos (CNF), as quais utilizam, preferencialmente, aminoácidos e peptídeos como fonte de compostos nitrogenados (N) para crescimento (Russell et al 1992). Vale ressaltar que os CNF representam 53,2% da dieta à base de cana e 34,8% para a dieta de silagem de capim-elefante (Tabela 3). Nas produções de leite corrigido para 3,5% de gordura, apenas a dieta baseada em 60% de silagem de milho diferiu das demais.  

Considerando a composição do leite, em valores percentuais, a proteína bruta do leite (PTN) foi maior na silagem de milho na proporção 60:40, com valor médio de 3,5%, ou seja, para o mesmo tratamento em que foi verificada a maior produção de leite.  

Em relação à gordura do leite, não houve diferença significativa entre as dietas, tendo sido observado média de 4,64%, mesmo em diferentes proporções volumoso:concentrado. Comportamentos semelhantes foram encontrados por Magalhães et al (2004), Mendonça et al (2004) e Costa et al (2005) com teores de 4,0; 3,8 e 3,5% de gordura no leite, respectivamente.  

Embora a silagem de milho apresente elevada qualidade e valor nutritivo quando comparada à silagem de capim-elefante e à cana-de-açúcar, considerando o seu elevado custo de produção, o seu uso na alimentação de vacas leiteiras com potencial de produção de leite de 12 kg/dia deve ser analisado com critério. Em decorrência de elevada demanda em fertilizantes, maquinários e tratos culturais, a sua utilização em pequenas propriedades pode ser limitada, e ainda, trazer pouco benefício para o desempenho de vacas leiteiras mestiças, quando comparada à cana-de-açúcar e à silagem de capim-elefante. 

Conclusões

• Não houve diferenças entre a digestibilidade de nutrientes entre as dietas à base de silagem de milho e cana-de-açúcar. Apesar disso, a diferença na produção de leite por vaca/dia foi pequena. 

  
  

• A cana-de-açúcar e a silagem de capim-elefante podem ser interessantes para vacas leiteiras de média produção, considerando o seu menor custo comparado com a silagem de milho.  

Referências

Behmer M L A 1965 Laticínios, leite, manteiga, queijo, caseína e instalações. 3.ed. São Paulo: Melhoramento, 294p. 

Cochran R C, Adams D C and Wallace J D 1986 Predicting digestibility of different diets with internal markers: evaluation of four potential markers. Journal of Animal Science, 63:1476-1483. 

Costa M G, Campos J M S, Valadares Filho S C, Valadares R F D, Mendonça S S, Souza D P e Teixeira M P 2005 Desempenho produtivo de vacas leiteiras alimentadas com diferentes proporções de cana de açúcar e concentrado ou silagem de milho na dieta. Revista Brasileira de Zootecnia, 34(6): 2437-2445. 

Lima J A e Evangelista A R 2007 Silagem de capim elefante (Pennisetum purpureum Schum). Disponível em <www.forragicultura.br> , Acesso em: 01de agosto de 2007. 

Magalhães A L R, Campos J M S e Valadares Filho S C 2004 Cana-de-açúcar em substituição à silagem de milho em dietas para vacas em lactação: desempenho e viabilidade econômica. Revista Brasileira de Zootecnia, 33(5): 1292-1302. 

Matos L L 2007 Produção de leite a pasto. In: Reuniao Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, Londrina,  44:.255-275. 

Mendonça S S, Campos J M S e Valadares Filho S C 2004. Consumo, digestibilidade aparente, produção e composição do leite e variáveis ruminais em vacas leiteiras alimentadas com dietas à base de cana-de-açúcar. Revista Brasileira de Zootecnia, 33(2): 481-492. 

Mertens D R 1996 Using fiber and carbohydrate analyses to formulate dairy rations. In: Informational Conference with Dairy and Forage Industries,  Wisconsin  pp 81-92. 

NATIONAL RESEARCH COUNCIL – NRC 2001 Nutrients requirements of dairy cattle. 7.ed. Washington: National  Academy Press, 381p. 

Russell J B, O’Connor J D, Fox D G, Van Soest P J and Sniffen C J 1992. A Net Carbohydrate and Protein System for evaluating cattle diets. I. Ruminal fermentation. Journal of Animal Science, 70(11): 3551-3561. 

Silva D J e Queiroz A C 2002 Análise de alimentos: métodos químicos e biológicos. 3.ed. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 235p. 

UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – UFV 2001 Sistema de análises estatísticas e genéticas – SAEG. Versão 9.0 Viçosa, MG. 

Van Soest P J 1967 Development of a comprehensive system of feeds analysis and its applications to forages. Journal of Animal Science, 26(1): 119-128. 

Vieira R A M, Pereira J C, Malafaia P A M and Queiroz A C 1997 The influence of elephant-grass (Pennisetum purpureum., Mineiro variety) growth on the nutrient kinetics in the rumen. Animal Feed Science and Technology , 67(2): 151-161.

Received 30 January 2011; Accepted 1 October 2011; Published 4 November 2011

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