Livestock Research for Rural Development 1 (1) 1989 | Citation of this paper |
Efeito do tratamento a pressao de vapor no bagaco de cana de acucar sobre a sua degradacao in vitro e digestibilidade in vivo
Celso do Amaral Mello Junior, Luiz Roberto de Olival Costa, Paulo Fernando Machado, Raul Dantas d'Arce e Wilson Robeto Soares de Mattos.
ESALQ-USP, 13450 Piracicaba, Brazil
Summary
Sugar cane bagasse was treated with steam and pressure at 17 kg/cm² during 5 minutes at 200-220°C. The product was analyzed for chemical constituents, degradability under in vitro conditions and fed with different levels of urea (0; 0.7% and 1.5% of dry matter) to non lactating ruminants.
Chemical analyses of the treated bagasse detected a reduction of hemicellulose (31% to 6.3%) and proportional reduction in cell wall (95% to 65%). In vitro degradation of cell wall was higher (36% to 44%) for treated samples.
Addition of 1.5% of urea to the diets increased its digestibility by ruminants (51.4% to 56.3%). This was, maybe, due to a higher availability of nitrogen to the microorganisms 8 hours after feeding. It was shown that, in vitro treated bagasse had a long lag time; causing, therefore, a need for nitrogen, by microorganisms, long after feeding.
Key words: Bagasse, sugar cane, steam treatment, digestibility, cattle, composition.
Resumo
O bagaco de cana de acucar foi submetido a uma pressao de 17 kg/cm² durante 5 minutos e aum temperatura de 200-220°C. O material resultante foi analisado bromatologicamente, submetido a degradacao in vitro e fornecido para animais ruminantes, em manutencao, recebendo tres niveis de ureia (0; 0.7% e 1.5% de materia seca da dieta).
A analise bromatologica identificou um decrescimo acentuado na concentracao de hemicelulose (31.4% para 6.27%) e consequente diminuicao proporcional na porcentagem de parede celular (95% para 65%) devido ao tratamento.
Houve um aumento na degradacao in vitro de parede celular do bagaco tratado (36% para 44%).
A adicao de 1.5% de ureia na dieta dos animais determinou um aumento significativo na digestibilidade da materia seca dos alimentos (51.4% para 56.3%). Este aumento foi, provavelmente, devido a maior disponibilidade de nitrogenio para os microorganismos apos 8 horas do fornecimento da refeicao, visto que o experimento in vitro mostrou que o tempo de fixacao das bacterias celuloliticas no bagaco (lag time) e bastante longo.
Introducao
O aumento da area plantada e da industrializacao da cana de acucar, decorrentes principalmente de investimentos publicos e privados na producao alcooleira, resultou na producao de quantidades cada ves maiores de bagaco. A melhoria do balanco energetico das antigas usinas e a entrada de atividade de um numero cada ves maior de destilarias autonomas aumentaram a porcentagem de sobras, levando a uma estimativa de disponibilidade de 80 milhoes de toneladas de bagaco no ano 2000 (Aidar 1985).
Embora o bagaco seja largamente utilizado como combustivel e para a producao de papel o seu valor nutritivo potencial na alimentacao animal ainda nao foi suficientemente explorado devido a caracteristicas quimicas e/ou fisicas que reduzem o seu aproveitamento. Dentre os diferentes metodos que tem sido propostos visando aumentar o valor nutritivo do bagaco destaca-se o tratamento com vapor de pressao. A disponibilidade de vapor na industria alcool-acucareira e o fato de as novas unidades industriais, especialmente as destilarias autonomas. terem se instalado em zonas de pecuaria extensiva, sugerem que maiores esforcos devem ser voltados para a solucao de alguns problemas que ainda dificultam a maximizacao do uso de bagaco tratado na alimentacao de ruminantes.
O tratamento do bagaco por pressao de vapor e um processo fisico- quimico, que se convencionou chamar de auto-hidrolise, o qual aumentaria o valor nutritivo do bagaco atraves de dois afeitos principais: 1- hidrolise acida, sob elevada pressao e temperatura, atraves de acidos originados durante o proprio tratamento, e 2- afrouxamento da fracao fibrosa, por afeito da repentina expansao dos gases resultantes da liberacao rapida do vapor ao termino do tratamento (Machado 1982).
Os estudos do bagaco tratado mostram que sua digestibilidade e a composicao quimica sao modificadas, dependendo da pressao e do tempo de tratamento (Cheong et alli 1974). Guggolz et alli (1971), obtiveram um aumento de mais de 50% na digestibilidade de palhas tratadas a 28 kg/cm² por 3 minutos e Campbell et alli (1973)
observaram que a digestibilidade da materia seca do bagaco apresentou um acrescimo de 12.6 unidades porcentuais quando submetido a 28 kg/cm² durante 45 segundos.
As principais modificacoes na composicao quimica do material tratado se referem a alteracoes na fracao hemicelulose, ao aumento no teor de carboidratos soluveis e a diminuicao no teor de cinzas (Campbell et alli 1973; Cheong et alli 1974; Martin et alli 1976).
O Presente trabalho objetiva avaliar os efeitos do tratamento fisico a pressao de vapor sobre o bagaco de cana e a sua utilizacao na alimentacao de bovinos.
Material e metodos
Os experimentos foram realizados nos Departamentos de Zoologia e Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiros (ESALAQ-USP), Piracicaba, SP.
O bagaco de cana de acucar utilizado foi obtido atraves da Coopersucar, sendo proveniente da Usina Barra Grande de Lencois Paulista-SP. As condicoes de tratamento do bagaco foram de 17 kgf/cm² de pressao aplicados durante 5 minutos a uma temperatura oscilando entre 200 e 220°C. A sua composicao quimico- bromatologica pode ser observada no quadro 1.
Foram realizados dois experimentos:
- No primeiro utilizou-se da tecnica de digestibilidade in vitro proposta por Tinnimet (1974) para se avaliar a taxa e a extensao de degradacao do bagaco tratado (BT), nao tratado (BNT) e campim Napier (CN) (utilizado como padrao). O fluido ruminal (inoculo) foi retirado de uma vaca Jersey, provida de fistula ruminal permanente, recebendo uma dieta composta de 20 kg de bagaco autohidrolizado, 2 kg de concentrado comercial (22% PB), 1 kg de feno de baixa qualidade e sal mineral a vontade. Foram realizados tres ensaios em diferentes epocas. Em cada um deles se adicionava os diferentes substratos (BT, BNT E CN) em quantidades equivalentes a 0.15 g de celulose, em tres repeticoes, aos tubos de centrifuga de fundo redondo (75 ml de capacidade). Assim, as quantidades de substrato foram: 0.3335 g; 0.3337g e 0.5153 g de materia seca de BT, BNT e CN respectivamente. Nestes ensaios foram determinados a taxa de degradacao de parede celular (FDN, ou fibra detergente neutro; van Soest e Moore 1965) das diferentes amostras nos tempos 6; 12; 18; 24; 30; 36 e 48 horas. O delineamento estatistico utilisado foi o de blocos casualisados e as medias comparadas pelo teste de Tukey.
- No segundo experimento foram determinados a digestibididade in vivo da materia seca e fibra detergente neutro (Van Soest and Moore 1965), o teor de nitrogenio amoniacal (N-NH3) (Kulaseck 1972) e a concentracao de acidos graxos volateis (AGV) (Foldager 1977) no fluido ruminal de 6 vacas pesando em media 350 kg, providas de fistula ruminal, consumindo dietas a base de bagaco tratado (60.0% da MS), levedura (Saccharomyces sp) residuo da producao do alcool (25.0% da MS) e feno de gramineas (15.0% da MS). Os tratamentos constaram de tres niveis de proteina bruta (7.5%, 9.0% e 10.5% de PB). obtidos pela adicao de ureia na proporcao de 0; 0.7% e 1.5% da materia seca da dieta. O delineamento estatistico foi o de quadrados latinos, com 2 animais por tratamento e o experimento dividido em 3 periodos, com a duracao de 28 dias cada. Nos ultimos 5 dias de cada periodo experimental foram efetuadas coletas totais de fezes para as determinacoes de digestibilidade. Ao final de cada periodo, amostras de fluido ruminal foram coletadas ao longo de um dia, nos tempos de 0, 1, 2, 4, 6, 8, 12, 16 e 24 horas em relacao ao fornecimento de alimentos para determinacao de N-NH3 e AGV. As medias foram comparadas pelo teste de tukey.
Resultados e discussao
Os efeitos do tratamento fisico-quimico do bagaco sobre a sua composicao bromatologica podem ser observados no quadro 1.
Quadro 1: Efeito do tratamento com vapor e pressao sobre a composicao bromatologica do bagaco de cana (g/100g de MS) | |||
Determinacao | BNT | BT | CN |
Materia seca (%) | 43.2 | 36.0 | 24.1 |
Proteina bruta | 1.5 | 1.6 | 15.6 |
Fibra bruta | 47.3 | 41.3 | 30.5 |
Extrato etereo | 0.9 | 0.8 | 3.6 |
Materia mineral | 4.5 | 3.5 | 11.8 |
Extrativo nao nitrog. | 45.5 | 52.6 | 38.2 |
Fibra em detergente Neutro | 94.8 | 64.9 | 74.1 |
Fibra em detergente Acido | 63.3 | 58.6 | 38.9 |
Celulose | 44.9 | 44.9 | 29.1 |
Hemicelulose | 31.4 | 6.2 | 35.2 |
Lignina em detergente Acido | 14.0 | 11.5 | 6.2 |
Observa-se no quadro 1 que o efeito mais marcante do tratamento e sobre o teor de hemicelulose. Ha uma queda de 31.43% do bagaco cru para 6.27% do bagaco tratado. Este fato se deve provavelmente a separacao das cadeias de hemicelulose da lignina provocando hidrolise daquele carboidrato estrutural e consequente aumento de carboidratos soluveis. Com a reducao no teor de hemicelulose a uma reducao proporcional no teor de FDN (94.82% e 64.92% para o BNT e BT respectivamente). Estes dados sao confirmados por outros autores (Pate 1982; Campbell et alli 1973 e Cheong et alli 1974).
No quadro 2 sao apresentadas as porcentagens medias de degradacao da parede celular dos diferentes substratos estudados no experimento in vitro.
Quadro 2: Porcentagem de degradacao "in vitro" da parede celular (%) do bagaco tratado com vapor e pressao, do bagaco cru e do capim Napier. | ||||||||
Tempo de fermentacao(h) | ||||||||
6 | 12 | 18 | 24 | 30 | 36 | 48 | ||
BT | 0.87c | 12.1c | 24.2b | 32.3b | 39.3b | 41.7b | 44.0b | |
BNT | 3.74b | 16.1b | 23.6b | 28.6b | 32.1c | 33.9c | 35.8c | |
CN | 7.04a | 24.1a | 36.8a | 44.1a | 53.6a | 57.9a | 62.2a | |
BT - Bagaco tratado com vapor e pressao
BNT - Bagacao nao tratado
CN - Capim Napier
a, b, c - Medias na mesma coluna com diferentes letras sao
estatisticamente diferentes (p<.05).
Observa-se no quadro 2 que ate 12 horas de fermentacao o BNT foi mais degradado do que o BT. A partir de 24 horas a taxa de degradacao do BT foi superior ao do BNT o que acarretou uma degradacao final de 8.22 unidades porcentuais superior para o tratado. A hidrolise da hemicelulose, devido ao tratamento, diminuiu a quantidade dos carboidratos mais facilmente fermenteciveis da parede celular. Isto determinou uma degradacao inicial mais lenta. Porem, gracas a separacao fisica da lignina da celulose, a extensao de degradacao foi superior para o BT. Este fato, associado com o tamanho de particulas extremamente reduzido do BT, evidencia a importancia de se aumentar o tempo de permanencia do material no rumen para se explorar ao maximo os seus nutrientes disponiveis.
Os coeficientes de digestibilidade, obtidos in vivo, da materia seca e da parede celular de dietas contendo bagaco tratado e niveis crescentes de nitrogenio sao apresentados no quadro 3.
Quadro 3: Coeficientes de digestibilidade ("in vivo") da materia seca e da parede celular de dietas contendo bagaco tratado com vapor e pressao e diferentes teores de nitrogenio | ||||
%PB Digestibilidad | ||||
%PB | MS | FDN | ||
7.5 | 51.4 a | 41.2 a | ||
9.0 | 51.8 a | 43.5 a | ||
10.5 | 56.3 b | 50.5 b | ||
MS - Materia seca
FDN - Parede celular
a, b Medias na mesma coluna com diferentes letras sao
estatisticamente diferentes (P<.005).
Observa-se no quadro 3 que niveis relativamente elevados de proteina bruta na materia seca (40.0 % acima das exigencias preconizadas pelo NRC, 1978) acarretaram um aumento significativo na digestibilidade da materia seca e da parece celular (8.7% e 16.1% respectivamente) dos alimentos. As concentracoes de N-NH3 do fluido ruminal dos animais recebendo 1.5% de ureia (10.5% de PB, quadro 4) se mantiveram elevadas ao longo do dia, tornando disponivel, portanto, nitrogenio em quantidades adequadas para um melhor desenvolvimento dos microorganismos. A dieta com 0.7% de ureia (9.0% de PB) resultou inicialmente em niveis adequados de N- NH3 no fluido ruminal; no entanto, apos 8 horas do fornecimento da refeicao a concentracao de nitrogenio amoniacal era inferior a 5.0 mg/100 ml (valor considerado minimo por Satter e Roffler (1977) para maximo crescimento microbiano). Visto que o tempo de fixacao ("lag time"), observado no experimento in vitro, foi longo para o bagaco tratado e importante o fornecimento de uma fonte de nitrogenio com baixa solubilidade no rumen de maneira a manter niveis de N-NH3 elevados a partir de 8 horas, quando e maior a degradacao da parede celular do bagaco.
Quadro 4 Concentracao de N-NH3 no rumen de animais, ao longo de 24 horas, recebendo dietas contendo bagaco de cana tratado com vapor e pressao e niveis crescente de nitrogenio. | ||||||||||
Tempo (horas) | ||||||||||
%PB | 0 | 1 | 2 | 4 | 6 | 8 | 12 | 16 | 24 | |
7.5 | 3.4b | 2.8b | 2.8b | 2.2b | 2.2c | 1.9b | 1.8a | 1.7a | 1.6a | |
9.0 | 12.6b | 10.1b | 9.9b | 8.3b | 6.2b | 5.1b | 4.4a | 2.6a | 2.3a | |
10.5 | 33.2a | 32.1a | 26.7a | 23.0a | 19.9a | 6.3a | 6.3a | 5.0a | 3.0a | |
a,b,c - Medias na mesma coluna com diferentes letras sao estatisticamente diferentes (p<.005)
Tempo
O quadro 5 comprovam as afirmacoes acima. A porcentagem molar de acido acetico foi superior para o tratamento com 10.5% de PB. Isto indica maior desenvolvimento microbiano (principalmente bacterias celuloliticas) e consequente maior digestibilidade da dieta.
Quadro 5: Porcentagem molar de acido acetico no rumen de animais, ao longo de 24 horas, recebendo dietas contendo bagaco de canatratado com vapor e pressao e niveis crescentes de nitrogenio. | |||||||||
Tempo horas | |||||||||
%PB | 0 | 2 | 4 | 6 | 8 | 12 | 16 | 14 | |
7.5 | 64.6b | 63.6a | 61.1b | 60.9b | 60.6b | 60.4b | 60.4b | 59.6b | |
9.0 | 64.2b | 62.5a | 61.9ab | 61.3ab | 58.6b | 58.2b | 57.7b | 56.3ab | |
10.5 | 69.7a | 68.7a | 68.7a | 67.4a | 67.2a | 66.8a | 66.5a | 66.5a | |
a,b - Medias na mesma coluna com diferentes letras sao estatisticamente diferentes (p<.005).
Conclusao
O tratamento com vapor e pressao resultou num aumento de diestibilidade in vitro do bagaco de cana de acucar.
Para um melhor aproveitamento do bagaco deve ser fornecido uma fonte de nitrogenio de baixa solubilidade no rumen ou fornecer pelo menos tres refeicoes ao dia.
Citacoes bibliograficas
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